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Os dois cemitérios

  • ailacultatende
  • 15 de jun.
  • 2 min de leitura

Por Vinícius Campelo Pontes Grangeiro Urbano

(Ocupante da Cadeira nº 12 da AILA)


Em Iracema, dois cemitério serviram de alicerce para a construção de espaços de usos da cidade. O de cima, onde eram enterrados os ricos, a fim de deixá-los mais próximo da Igreja e do Deus na cruz - ali cultuado - tiveram uma boa parte dos seus restos mortais retiradas e colocadas em um novo lugar, pois ali, onde descansavam os justos de terno, foi construída a vistosa praça da mangueira, próxima aos comércios e logo da Igreja e do Deus na cruz.

Mas os enterrados na parte de baixo da cidade, em proximidade ao rio, não tiveram a mesma sorte. Lá, ficavam os moribundos. Aqueles que não tinham valor monetário o suficiente de estarem perto do Deus na cruz, por mais que seguissem os preceitos desse Deus com mais vigor do que os ricos do cemitério de cima. A eles não houve o mesmo cuidado da retirada dos seus restos, pois estes eram os corpos revestidos de farrapos. A eles, o que houve foi um segundo enterro no concreto, usando mais uma vez a força de trabalho dos seus corpos, por mais sem corpos estivessem.

Esqueletos, cabelos, unhas e tudo mais que sobrou da fadiga do estômago da terra de comer, foi anexado a estrutura do colégio a qual foi alicerçado. Vigas de aço perfuraram mais uma vez as mortalhas. Os trabalhadores mortos, levaram novamente em suas costas, agora mais magras que nunca, o peso da construção da tão amada civilização. Não há descanso em morte, para aqueles que não puderam pagá-la em vida.

A questão é, que agora diante o osso, os mortos do cemitério de baixo optaram pela revolta. Nas noites mais escuras da cidade, se escutam estalos e gritos. Vozes do além que protestam, que não conseguem o descanso, assim como fora em vida. Em contraposição, no cemitério de cima, nada se escuta. Ser alma penada tem a ver, no fim das contas, com a inquietação de uma vida e morte injusta.

Assim, as almas que foram condenas, não pelos Deuses, pela cruz, mas sim pela dádiva que é a revolta de uma vida miserável, se colocando a lutar e ser suporte dos vivos. A berrar nas noites naquela escola. Bater panelas. Estremecer a matéria que massacrou e massacra. Condenadas a descansarem apenas quando o tempo opressivo parar. Quando as forças que as mataram suspenderem seus funcionamentos. Forças coloniais, forças patriarcais, forças racistas. Parar as forças é a inquietação das almas que assombram a escola.

Dizer em urros as dores. Derrubar livros e panelas, como quem derruba segmentos das estruturas e as causas de suas dores. Empurrar a vida para que o mesmo ar de miséria não se repita. Os mortos do cemitério de baixo não descansam, mas sonhos em voz alta o desejo de querer que seus netos e netas, o possam. Afinal, insubmissas são as vozes que anseiam por um futuro de paz.

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Esse texto é fruto das inspirações dos encontros de Análise Institucional, que ocorrem em Natal/RN e das intervenções que a parceira de pesquisa e de luta. A professora Dr. Teresa Nobre, me fez e por isso dedico esse meu retorno às escritas quinzenais a eles e a ela.

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