O fazedor de pilão
- ailacultatende
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(Por Benedito Vasconcelos Mendes)*

Antigamente, a presença do pilão era uma constante tanto na zona rural quanto nas cidades. Este utensílio, um dos mais antigos e úteis da cozinha, desempenhava diversas funções: triturar grãos, amassar carne para fazer paçoca, quebrar milho para produzir xérem, moer café, entre muitas outras finalidades. Toda cozinha possuía um pilão, essencial para preparar a paçoca de carne seca com farinha de mandioca, pilar milho para a massa de cuscuz, socar arroz para retirar a casca, pilar café e esmagar outros ingredientes.
Na cozinha, utilizava-se também o pilãonzinho de tempero, feito de ferro, bronze, alumínio ou madeira, para amassar os componentes do tempero.
Existem dois tipos de pilão grande de madeira: o pilão deitado, que pode ter uma, duas ou três bocas, e o pilão em pé, com uma ou duas bocas. O pilão deitado é um barrote espesso com uma ou mais bocas escavadas, dispostas uma ao lado da outra. Na Fazenda Aracati, pertencente ao meu avô Cândido Mendes, havia um pilão deitado com três bocas: uma para pilar paçoca de carne seca, outra para socar café e a terceira para pisar grãos, como milho ou arroz. O pilão em pé consiste em um tronco de madeira grossa e dura, com duas bocas escavadas, uma na parte superior e a outra na extremidade que repousa no chão. Ambos os tipos eram feitos de miolo de aroeira ou baraúna, madeiras nativas da caatinga, conhecidas por sua dureza excepcional.
Para escavar as bocas do pilão, era necessário queimar a madeira com brasas de miolo de Jurema-preta, devido ao seu elevado poder calorífico. Era comum deixar pedaços grandes de carvão queimando por vários dias para facilitar a escavação com o formão; a madeira queimada tornava o trabalho mais fácil, pois a ferramenta se desgastava rapidamente devido à dureza do cerne. A experiência dos antigos carapinas foi transmitida através da tradição oral, sendo herdada pelas novas gerações de fazedores de pilão. Contudo, atualmente, esse ofício está em extinção, em grande parte devido ao surgimento de moinhos de ferro e liquidificadores. Embora o pilão tenha sido um dos utensílios mais utilizados no passado recente, ainda é encontrado em uso no sertão profundo. Hoje em dia, muitos pilões são utilizados como peças decorativas em escritórios e residências.
Na minha infância, conheci o artesão que fabricava pilões, Mestre João de Joana (no sertão, é comum apelidar os filhos com o nome da mãe ou do pai). Ele morava nas extremidades das terras do meu avô, na divisa da Fazenda Aracati com a estrada carroçável que levava à cidade de Miraíma. Mestre Zé de Joana tinha uma vasta clientela nas fazendas da região e nos Distritos do Município de Sobral, especialmente em Caracará e Aracatiaçu. Ele chegava à sede da fazenda ou à residência de seus fregueses montado em seu cavalo branco, transportando suas ferramentas: um serrote grande e afiado, e um machado que usava para cortar os troncos grossos de aroeira ou baraúna na mata. No terreiro da casa, sob um Juazeiro, ele retirava a casca batendo com o dorso do machado e, em seguida, lavrava o tronco, transformando-o em uma tora retangular. A habilidade de Seu João de Joana na lavragem da madeira bruta era admirável. Dependendo da espessura e do formato do tronco, ele determinava se o pilão seria em pé ou deitado.
Feito isso, iniciava a abertura das bocas do pilão com um formão grande, de lâmina larga, golpeado com um malho de ipê, de cabeça retangular. Devido à dureza do miolo da aroeira ou da baraúna, era necessário queimar a madeira antes de realizar o acabamento com o formão. O carvão do miolo de Jurema-preta era o mais utilizado para esse trabalho. O acabamento final do pilão era feito com a enchó. A mão de pilão, ou socador, também era confeccionada de aroeira ou baraúna, e possuía duas cabeças nas extremidades e um corpo, onde o pilador segurava.
Quando a quantidade do produto a ser moído era grande, era necessário que dois piladores trabalhassem em sincronia, batendo os socadores na mesma boca do pilão. Era uma beleza ver a precisão com que realizavam essa tarefa, alternando os movimentos: enquanto um levantava a mão de pilão, o outro a descia. O trabalho no pilão era executado tanto por homens quanto por mulheres.
Como vimos, o artesão especializado na confecção de pilões já não existe mais, embora tenha sido um dos profissionais mais abundantes no sertão nordestino.
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* Benedito Vasconcelos Mendes é formado em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal do Ceará (1969), é mestre em Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (1975) e doutor em Agronomia (Fitopatologia) pela Universidade de São Paulo (1980). Atualmente é professor adjunto IV da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, atuando principalmente nos seguintes temas: recuperação de áreas degradadas, desenvolvimento sustentável e meio ambiente. Foi professor titular e diretor da antiga Escola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM), hoje Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA). Foi um dos fundadores do Curso de Mestrado em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), onde atualmente desempenha a função de professor. Ex-presidente da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (EMPARN), ex-chefe geral da EMBRAPA MEIO NORTE, em Teresina-PI, ex-presidente da Fundação de Pesquisa Guimarães Duque e atual Superintendente Federal de Agricultura no Estado do Rio Grande do Norte. No começo da década de 1980, quando ocupou o cargo de presidente da EMPARN, inovou a pesquisa agropecuária nordestina, com diferentes temas, quando introduziu, para pesquisa de adaptação, plantas e animais de desertos, entre eles o elande, o órix chifre-de-cimitarra e o ovino caracul, e iniciou, no Brasil, a criação de animais nativos (emas), com finalidades social, econômica e ecológica. Na então ESAM, criou o CEMAS (Centro de Multiplicação de Animais Silvestres), onde foram iniciados trabalhos de domesticação de ema, caititu, tejo, preá, mocó, cutia e capivara. Publicou vários livros sobre o desenvolvimento regional, entre eles: Alternativas tecnológicas para a agropecuária do Semi-Árido (Ed. Nobel, São Paulo), Plantas e animais para o Nordeste (Ed. Globo, Rio de Janeiro) e Biodiversidade e desenvolvimento sustentável do Semi-Árido (editado pela SEMACE, Fortaleza-CE).
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