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Entre sonhos e boletos: a rotina real de escritores brasileiros contemporâneos

  • ailacultatende
  • 29 de jul.
  • 5 min de leitura

Por Bianca Lucca e Amanda S. Feitoza

(Publicado originalmente no Dia do Escritor, 25 de julho de 2025, no Correio Braziliense).

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Longe do romantismo que envolve a figura do escritor, a rotina de quem vive da escrita no Brasil é marcada por disciplina, incertezas e múltiplas atividades. Para além da criação de uma obra, os autores brasileiros atuais lidam com prazos, editoração, divulgação nas redes sociais e, muitas vezes, conciliam a profissão com outras fontes de renda. Os bastidores revelam uma realidade de trabalho intenso, paixão pelas palavras e resistência diante dos desafios do mercado editorial.

Apesar de não haver uma pesquisa que relate o número de escritores brasileiros na ativa, as trajetórias de autores como Raphael Montes, Itamar Vieira Junior, Aline Bei e Socorro Acioli mostram que há espaço para crescimento. Ainda assim, o consumo de livros brasileiros enfrenta barreiras, como a falta de incentivo à leitura, o alto custo dos livros e uma maior valorização de obras estrangeiras no mercado editorial.

Mais de metade dos brasileiros afirmam não ter lido nenhum livro nos últimos três meses, de acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada pelo Instituto Pró-Livro. Pela primeira vez, o número de não leitores no Brasil superou o de leitores. Em contrapartida, a Bienal do Livro Rio deste ano recebeu 740 mil visitantes e registrou volume de vendas de 6,8 milhões de exemplares — um aumento de 23% em relação a 2023.

Neste Dia do Escritor (25/7), mergulhe na rotina de criatividade e produção de pessoas que trabalham com as palavras no Brasil contemporâneo:

 

Profissional das palavras

Figura já renomada na literatura brasileira, Aline Bei afirma que hoje consegue viver da escrita — mas entende esse sustento de forma ampla. Não se trata apenas da venda de livros e direitos autorais, mas também das oficinas que ministra e dos eventos literários que participa. “Todas as minhas horas estão direcionadas para o meu trabalho”, diz. Esta realidade, no entanto, só se consolidou nos últimos cinco anos.

Ela lembra que, após lançar O Peso do Pássaro Morto, ainda enfrentava dificuldades financeiras. O cenário começou a mudar com o Prêmio São Paulo de Literatura, em 2018, que ajudou a consolidar sua carreira e garantiu apoio financeiro.

A autora reconhece que prêmios, editais e incentivos são fundamentais para que artistas possam “sobreviver do seu gesto”. E reconhece: poucos escritores no Brasil vivem só da escrita — muitos mantêm outros trabalhos para garantir liberdade criativa ou simplesmente por necessidade.

Aline, por exemplo, diz ter liberdade criativa e valoriza o tempo de maturaçã. Ela produz por cerca de dois anos antes de mostrar algo à editora. “Escrevo de forma mais livre e dispersa, isso faz parte do meu processo.” Só depois, com o livro mais sólido, começam os prazos e as edições. "Sempre publiquei sem pressa. Quero escrever o melhor livro que eu puder.”

 

Fome de escrita

Revisora de texto, escritora e estudiosa de obras de Clarice Lispector e Aline Bei, Lara Andressa da Silva Carvalho precisa de liberdade para deixar a criatividade fluir. “É um ofício e uma procura constante por algo que vai tomando corpo à medida que escrevemos. É a escrita que nos guia, não o contrário, e por isso acabamos travando ou encontrando certos desafios”, crava.

Ao ver a escrita como um trabalho, a magia do sonho acaba sendo ofuscada. Lara cita Lispector em A hora da Estrela: “quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo”. “Conseguir novos leitores não é uma tarefa fácil, principalmente quando se é um autor procurando publicação ou que foi publicado recentemente. As redes sociais pedem para que nos comuniquemos 100% do tempo com nosso público, o que é impossível, mas a divulgação e o contato burocrático com editoras é algo essencial e que não podemos escapar”, relata.

No mercado editorial, dominado por best-sellers e obras estrangeiras, a escritora ressalta as feiras independentes e a valorização de novos autores. “Viver de literatura no Brasil vem sendo cada vez mais uma possibilidade. A cada feira literária, mesa redonda ou encontros em livrarias, é possível notar o brilho nos olhos de ambos os lados: ver que está sendo lido e que o seu afeta diretamente a vida de outros”, comemora.

Como a maior parte dos escritores, Lara cultiva atividades paralelas como fonte de renda. Outros exemplos são Mariana Salomão Carrara, autora de Delicada uma de nós, que é defensora pública, e Jeferson Tenório, autor de O Avesso da Pele, que atua em salas de aula como professor. Embora não escreva literatura o tempo todo, a entrevistada produz artigos para o mestrado na área.

Apesar das dificuldades, não consegue ficar muito tempo sem escrever. “A escrita me chama. É como uma fome repentina por algo: acordo com vontade de escrever e se não escrevo é como se essa vontade me engolisse de dentro pra fora”, descreve.

 

Entre inspiração e esforço

Inspiração, tempo para refletir ou até mesmo fazer algo aleatório. Estes são alguns dos métodos que a escritora brasiliense Rebeca Dantas, autora da obra Se eu fosse capaz de amar, desenvolveu para tornar a rotina de escrita mais produtiva. "Eu pego um livro e procuro uma frase aleatória. A partir daquela frase, surgem várias ideias, e começo a rabiscar algumas coisas. Quando estou escrevendo um livro, preciso ter esse tipo de prática, porque, para terminá-lo, é necessário constância”, conta.

Outro ponto é estar atento ao que acontece ao redor. “Os detalhes da vida são a própria inspiração. Mesmo quando o escritor não escreve diretamente sobre si, ele parte de experiências próprias, porque é assim que se constrói perspectiva. Eu busco criatividade desde o céu até uma conversa com uma amiga”, explica.

No entanto, o trabalho de um autor vai além da escrita em si. Para alcançar leitores, é preciso construir uma audiência — algo que exige tempo, dedicação e paciência. “Trabalho nunca é fácil, mas o brilho de um escritor está sempre ali. Caso contrário, a escrita perde o sentido”, afirma. Ter orgulho do que se escreve é parte essencial do processo.

Editoras independentes, feiras literárias e saraus locais também têm um papel fundamental na trajetória de muitos artistas. E Rebeca deixa um conselho: “Leiam autores brasileiros. Vemos muita gente divulgando livros estrangeiros, mas, de uns tempos para cá, percebo um movimento maior em favor da literatura nacional. É importante que cada vez mais pessoas abracem os livros brasileiros — isso motiva os escritores e fortalece a nossa cultura."

No fim do dia, todos os escritores partilham da mesma urgência: a de libertar palavras que, se não fossem escritas, apodreceriam por dentro. Há uma fome que não se sacia e uma dor que só cessa quando vira frase. Como um dia disse Caio Fernando Abreu, “escrever é enfiar um dedo na garganta” — é provocar o vômito da alma para que a beleza, mesmo amarga, não sufoque.

 
 
 

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