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30 de junho

  • ailacultatende
  • 9 de fev.
  • 2 min de leitura

Por João Almino

Da Academia Brasileira de Letras (ABL)


Fragmento do romance Entre facas, algodão.


Fui anteontem a Várzea Pacífica à procura do assassino de papai. Levei no bolso o revólver que trouxe na bagagem e também quis comprar uma peixeira igual à que ele usara para matar papai. Por isso passei pelo mercado, ainda no mesmo lugar, perto da antiga mercearia de mamãe onde hoje fica um bar. Não me senti à vontade de sair com aquela peixeira grande pela rua. Joguei-a dentro de uma sacola para não chamar atenção. Meu coração batia enquanto eu caminhava em direção à loja de couro do assassino, sem ter certeza do que aconteceria, sequer se utilizaria a faca ou o revólver.

Era meio-dia, sol a pino, calor sufocante. De longe avistei a placa da loja, mal-feita e amassada, com dizeres em preto sobre metal brilhoso, que mais pareciam pichação. A rua, com pouco comércio. Duas lojas abertas, uma mercearia e uma farmácia. O restante dos imóveis, todos residenciais, de portas e janelas fechadas. Vim caminhando com passos vagarosos, tentando medir a gravidade do que ia fazer. Cruzei com uma única senhora, de sacola na mão parecida com a minha, na certa futura testemunha contra mim num processo penal. Minha certeza de que eu não temia passar o resto da vida na prisão começava a fraquejar. Se fosse preso, perderia Clarice para sempre?

Porém havia a possibilidade de cometer o crime sem ser preso, crime como tantos outros que ocorrem no Brasil, nunca esclarecidos. A decisão sobre o que fazer e como fazer eu somente tomaria ao chegar diante da loja de couro. Uma só certeza: faria questão de que o filho da puta soubesse por que eu estava ali.

Avistei-o já de longe, no fundo da loja situada num prédio estreito. Notei uma rachadura nas paredes da fachada, que, brancas, haviam sido tingidas de cinza pelas chuvas. Três degraus sobre a calçada davam para uma ampla porta aberta. Aproximei-me lentamente esperando que a qualquer momento fosse me encarar. Ignorou solenemente minha presença, mesmo quando parei diante dele. Batia o martelo todo o tempo sobre o couro, um autômato banguela, as bochechas afundadas sobre a cara comprida de pele inteiramente enrugada. Franzino, de uma feiura sem sorriso ou qualquer outra compensação.

Eu tinha vindo com um propósito claro. Não podia falhar. Não devia me compadecer. O senhor sabe por que estou aqui? Finalmente lhe perguntei, depois de minutos de silêncio em que observava as batidas regulares de seu martelo sobre o couro.

Se quiser e se pagar..., ele respondeu, ríspido, na certa sem entender o que eu dizia, sem levantar a vista e cheirando a cachaça.

Não vim aqui pra encomendar gibão de couro, sou filho de Adalberto, que você matou, seu desgraçado!

Com a sacola na mão esquerda, pus a mão direita sobre o revólver no bolso, ainda sem certeza do que ia fazer, se ia mesmo atirar.

Ele levantou o braço com o martelo na mão. Tive o pressentimento de que ia atirá-lo na minha testa. Por isso tentei segurar seu braço. O martelo escapuliu de sua mão, rastejou pelo chão, desceu os degraus e foi cair aos pés de uma mulher que passava pela calçada.

O que é isso, velho maluco?, ela vociferou.

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